Por Rafael Sigollo, de São Paulo
O americano Chris Fergunson é PhD em ciências da computação. Também americana, Annie Duke é formada em língua inglesa e psicologia. Vanessa Rousso, franco-americana, é bacharel em economia e fez especialização em ciências políticas. O libanês Sam Farha graduou-se em administração de empresas. O irlandês Phil Laak tem um diploma de engenheiro mecânico e já atuou no mercado de ações e no de investimentos imobiliários. Já o iraniano Shawn Sheikhan é um empresário bem sucedido, dono de uma rede de lojas de tabaco e de estúdios de tatuagem. Mesmo com origens, formações e histórias tão diferentes, não é raro esse pessoal se encontrar em um dia de trabalho. Na mesa de pôquer.
O currículo de grande parte dos jogadores profissionais, como os mencionados acima, deixa claro que o pôquer está longe de ser um mero jogo de cartas onde as coisas se resolvem na sorte - especialmente na modalidade Texas Hold´em, a preferida por 9 entre cada 10 adeptos. Com a recente popularização do pôquer on-line e as transmissões pela televisão dos milionários torneios internacionais, jovens universitários e executivos experientes descobriram no jogo uma maneira de aperfeiçoar habilidades consideradas essenciais no mundo dos negócios. Entre elas estão visão estratégica, raciocínio lógico, autocontrole, concentração e leitura do ambiente.
Para os mais céticos, os fãs do jogo frequentemente citam Bill Gates. Em sua autobiografia, o empresário não só creditou ao pôquer sua aguçada capacidade de avaliar e processar informações rapidamente como revelou que a Microsoft deu seus primeiros passos graças ao dinheiro conseguido na mesa, quando tinha apenas 19 anos.
Tudo no pôquer envolve tomada de decisão. É preciso saber quando aumentar uma aposta, quando pagar pra ver e quando desistir, por exemplo. "Isso, sempre levando em conta a sua posição na mesa, as probabilidades de sair uma determinada carta e as combinações possíveis, além dos movimentos dos adversários e como eles se comportaram nas rodadas anteriores", afirma Henrique Bello. Formado em administração e com MBA em finanças-mercados de capitais pela FGV do Rio de Janeiro, Bello deixou um emprego em um banco de investimentos para se dedicar exclusivamente ao site Universidade do Poker, criado por ele em 2008 e que conta com o apoio do portal internacional Full Tilt, um dos maiores do gênero.
Além de manter um serviço de assinaturas com videoaulas e dicas de profissionais, o site organiza o Desafio Universitário. Na segunda edição, no ano passado, o evento teve cerca de 10 mil estudantes inscritos de todo o país. O vencedor, Andersen Waqued, de 21 anos, é aluno de administração na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e faturou um carro Fox 0 Km e um notebook. "O melhor jogador é aquele que consegue mais informações em menos tempo e, sobretudo, que saiba usá-las mesmo sob pressão. No mundo dos negócios é a mesma coisa", teoriza Waqued. O estudante conta que havia deixado o pôquer de lado quando entrou na universidade, mas a paixão pelo jogo voltou com força total quando um professor de economia descobriu suas habilidades com as cartas e pediu algumas aulas particulares.
Para Waqued, embora existam outros jogos de estratégia que podem ser relacionados com o mundo corporativo, o pôquer é o mais completo devido ao número de variáveis que podem interferir no resultado. "No xadrez, por exemplo, todas as informações estão no tabuleiro. No pôquer você não sabe as cartas do seu adversário e, na maioria das vezes, fica sem saber", ressalta. Isso porque no Texas Hold"em, cada jogador recebe duas cartas e precisa combiná-las com outras cinco comunitárias, que são abertas na mesa - três no "flop", uma no "turn" e a última no "river". Cada etapa dessas é intercalada com apostas.
De acordo com Henrique Bello, em cerca de 70% das vezes o jogo termina com a desistência dos adversários durante as apostas, sem que os jogadores precisem de fato mostrar o que têm em mãos. "É a prova de que a habilidade supera a sorte", diz. Essa característica do jogo, inclusive, inspirou o livro "The Poker MBA: Winning in Business No Matter What Cards You"re Dealt" (Vencendo nos Negócios Independentemente de Suas Cartas), lançado em 2002. Nele, os autores Jeffrey Gitomer e Greg Dinkin exploram os aspectos de risco e recompensa existentes tanto no pôquer quanto nos negócios, além da importância de saber se recuperar de uma perda, controlar o fluxo de caixa e blefar.
O professor Charles Nesson leciona direito em Harvard e também acredita que o jogo pode trazer muitos benefícios à educação. Ele é fundador e presidente da Global Poker Strategic Thinking Society, um grupo que reúne universidades como Harvard, UCLA, Stanford, Wharton e Dartmouth, e tem como objetivo usar o pôquer nas salas de aula para desenvolver futuros administradores e advogados. "As pessoas aprendem a pensar por si próprias, a lidar com os recursos disponíveis e a exercitar a paciência", afirma. Além de visitar e promover eventos nas universidades, a organização criada por Nesson oferece seminários sobre o tema em escolas do ensino médio e em comunidades carentes, inclusive para crianças. "O pôquer é um caminho para ensinar matemática aos jovens, além de ser uma excelente metáfora para a vida." De acordo com ele, o fato de existirem apostas em dinheiro relacionadas ao jogo não deve ser encarado como uma coisa negativa. "Você pode aprender muito e se divertir apenas com alguns centavos", diz.
Formado em direito, o curitibano Alexandre Gomes já se beneficiou das habilidades desenvolvidas no pôquer em sua curta carreira na advocacia. "Fiquei mais atento aos detalhes, aprendi a identificar os pontos fracos dos meus adversários e a extrair o máximo de valor em cima disso. E, claro, a representar quando estou blefando. Coisas que todo bom advogado precisa saber", diverte-se. Em 2007, após três anos atuando como advogado, ele decidiu fazer do pôquer, até aquele momento apenas um "hobby lucrativo", sua principal atividade. Hoje, aos 27 anos, ele é o jogador brasileiro mais bem sucedido no circuito mundial e o único do país a ganhar torneios importantes como o World Series Of Poker (WSOP) e o World Poker Tour (WPT) que, somados, renderam a ele uma premiação de cerca de US$ 2 milhões.
Fora isso, Gomes conta com o patrocínio do site internacional PokerStars, um dos mais famosos entre os jogadores, e lançou recentemente na internet a TV Poker Pro, onde ensina fundamentos e discute estratégias com assinantes. "O público é bastante variado, mas tenho recebido muito retorno de universitários, gente que trabalha com mercado financeiro, executivos e até diretores de multinacionais", diz. A próxima empreitada do jogador será a criação de um curso intensivo de três dias em sua cidade natal. "Vamos analisar situações e fazer estudos de casos. A intenção, porém, é que o conteúdo transcenda o jogo em si e aborde também situações do cotidiano que vivemos fora das mesas".
Recentemente, Gomes foi convidado para participar da banca de uma monografia que tratou sobre os aspectos matemáticos e estatísticos do pôquer. Nos Estados Unidos, onde o jogo já está consolidado, o professor Charles Nesson realiza palestras para sua turma de alunos de direito de Harvard com Howard Lederer, jogador profissional de renome e um dos criadores do site Full Tilt.
Gomes espera que o Brasil possa seguir o exemplo. "Aos poucos, o jogo está sendo mais bem compreendido no nosso país. Pretendo, no futuro, falar sobre o pôquer e todas as suas nuances também no meio acadêmico."
Texto retirado do Valor Econômico do dia 10/03/2010
11 de mar. de 2010
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